sábado, 6 de outubro de 2007

Improvável centro

Num dia cinza,
de perspectivas turvas,
ia caminhando sem vontade
entretido em minhas tristezas,
ruminando auto-recriminações.

Eis que surge
no mais improvável dos lugares
uma improvável cena.
Um reles ensaio teatral
em uma reles praça paulistana.
Uma praça idilicamente calma,
impossivelmente calma
em pleno centro de São Paulo.
E havia música!
E havia dança!
E eu cantei, dancei, sonhei...
Incrível!
O céu estava azul!

S.P, Julho de 2007

Etilismos

Vejo o homem cambaleando,
ridiculamente sublime,
sem consciência do que faz,
sem sofrimento pelo que é.

Eu também cambaleio
pendendo para o lado,
cambaio para o esquecimento,
sentindo o mundo como ele é
ou talvez como poderia ter sido,
quiçá como gostária que fosse.

Imerso nos sentidos e sensações
sequer ouso pensar em algo,
receoso de afugentar essa alegria
etílica e artificial, é verdade,
mas muito mais espontânea que
essa carapça de sombra e sarcasmo.

Evito pensar na vida, pensar em algo,
pois a felicidade é a aptidão natural
de quem não pensa nem se preocupa.
Tento guardar meu rebanho de idéias negras
minha floresta de de sonhos inconjuntos.
Fracasso. E escrevo esse poema.

S.P., Novembro de 2006

Noctívago

Anoitece...
Saio novamente em busca
de algum vício, algum riso
algo que me faça esquecer.

Saio a noite...
Não a noite dos poetas
mas sim a noite fria e sozinha
noite de ladrões, bêbados e canalhas.

Noite fria...
Em que tento me aquecer
entre pernas e volúpias mil,
e finjo encontrar nisso, amor!

E meu amor...?
meu amor tem seu estrangeiro,
tem felicidades e esperanças
de ter um futuro bem feito

E a esperança...?
A esperança? Não sei...
Deve tê-la esquecido em
algum copo dessa noite fria.

S.P., Junho de 2005

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

10h15, Domingo a noite

Ouvi dizer que São Paulo nunca dorme.
Mentira.
Numa noite chuvosa de domingo
a cidade dorme
tão profundamente
que até parece
morta.
Na T.V., programas familiares para pessoas solitárias.
No rádio, musicas românticas para indivíduos carentes.
Em minh’alma, uma procissão de idéias e nenhuma palavra.
Se tento expressá-las,
se tento penetrar no reino das palavras,
elas surgem apenas na condição
de serem herméticas,
solitárias,
mortas.
Mortas como esta noite,
mortas como eu,
que só me dou conta da vida
quando a sinto ausente.

S.P. Setembro de 2006

O muro

O muro estava lá.
Surgiu sem alvoroço
sem ser requisitado
sem sequer avisar.
Foi construído à noite,
soturno, sem testemunhas.
No dia seguinte
ninguém notou.
Para todos
o muro sempre esteve lá.

II

“Não pule o muro” diz a placa.
“O muro é para sua segurança” diz a lei.
O muro é só mais uma barreira,
nos diz o espírito.
Separando, dicotomizando,
privatizando o que devia
ser de nós todos.

III

Separa-se o corpo,
talvez até a mente,
mas a alma, a alma é superior.
O que é um muro
frente aos leões do dia,
aos venenos da noite?
O que é um muro
para alguém com
asfalto debaixo das unhas,
fuligem correndo nas veias?
Para quem aprendeu
a contar com os centavos
e a ler com os cartazes?
O muro é só argamassa,
a alma é algo mais.

S.P. Setembro de 2006

Simetria

Minha tristeza
Me corrói
Me corrompe
Me destrói
Ela irrompe.

Ela é constante.

Minha vida
É conturbada
É complexa
É complicada
É disléxica.

Ela é constante.

O cotidiano
Me massacra
Me oprime
Me arrasa
Me deprime

Ele é constante

Minha amada
É de outro
Mas é sozinha.
É de todos
Mas não é minha.

Ela é distante

S.P. Novembro de 2005

Apenas mais um

Sou um homem médio
De estatura média,
compleição média, classe média,
capacidade média, inteligência média
medida pela sociedade média padrão.

Vivo no meio do caminho,
sou um arauto do quase.
Tenho uma quase namorada, que quase me ama.
Tenho quase amigos que quase se importam comigo.
E quase sempre tento manter as coisas em ordem,
embora quase sempre não consiga.
Eu quase consigo amar.

Sou homem comum,
Daqueles que passam despercebidos na multidão,
as vezes até mesmo quando sozinho.
Minha família não me ama, gosta.
Meus conhecidos não me gostam, simpatizam.
Meus inimigos não me odeiam, desprezam.
Também não me arrisco em aventuras desenfreadas
nem desfruto da tranqüilidade dos pacatos.

Cristo, que vida inútil!
Vida que não é vida nem morte,
vida que não consegue sequer ser não-vida.
vida insensível, invariável,
vida matando vida, vida matando tempo,
apenas esperando seu enterro passar.

S.P., Dezembro de 2005

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Precoce

As vezes penso no passado
naquilo que me ocorreu
e mantenho guardado
em algum lugar desse semblante meu.

Talvez eu os mantesse nos
parcos traços de minha pouca idade
mas algo que tanto me fere
pode pode se esconder em tão pequeno habitat?

Não, não. Creio que os deixo
em lugar mais desolado,
ugar onde o afago de um beijo
nunca foi recebido ou dado.

E rezo para alguém,
um dia, queira saber o que transformou
esperanças, sonhos e anseios
em terra de calcinada de dor.

Pois nada me machuca mais
do que lembrar das glórias passadas
e não conseguir deixa-las pra tras.

SP, Maio de 2005

Constatações do mundo atual

Eis o relato de um homem
fraco e desiludido,
cansado e combalido
diante de um mundo que
não consegue entender
e tão pouco fazer parte.
Um mundo no qual
o cinismo é a regra
e a incredulidade é a lei.
Um mundo em que o
individualismo é louvado
como a única saída,
onde palavras como ideologia,
fantasia e sinceridade
são apenas palavras empoeiradas
de músicas amaldiçoadas
em discos arranhados
esquecidos em algum porão.
Porão que as vezes
é visitado por algum incauto
que deixa se influenciar
por estas nobres (e ingenuas) idéias,
apenas para descobrir
que jamais será ouvido
muito menos compreendido.
Assim irá vivendo, amargurado,
sendo tolerado por ser
considerado inofensivo, ou talvez
porque seus ideais piegas
são uma fonte inesgotável de chacotas.
Mas não pense que acho-me nobre.
Dentre todos, sou o pior
sou apenas o eco deslocado
de sonhos fracassados
vindos de passado fraturado.
Pouco importa que eu considere
a causa pior que o efeito,
os meios mais importantes
do que os fins.
O que vale mesmo
é ser bem sucedido,
poderosos e intocáveis,
dane-se quantas cabeças rolarão
ou quanto sangue será derramado.
O que conta é seguir
o que a sociedade dita,
lixando-se para os sentimentos alheios ou
para as almas envolvidas.
Somente assim seremos cidadãos de bem
e nos tornaremos verdadeiros homens.
Afinal, não é esta a via dos homens?

SP, 2003

Lylla

Sem você,
o dinheiro vira papel,
o ouro vira latão
e diamantes viram pó
pois não existe tesouro
maior que seu sorriso.
Sem você
o tempo se arrasta,
a natureza murcha
e as plantas morrem
pois elas não podem
viver sem sua beleza.
Sem você
o poder é uma bobagem
ser deus é ser ninguém
e a vida deixa de ser dádiva
pois não há mais sorriso,
nem beleza nem inspiração.
Também não há mais
aconchego, nem felicidade
e muito menos amor.

SP, 2003.

Prenúncio de tempestade

Há algo estranho no ar,
uma inquietude, um ardor,
como um céu prestes a desabar
rajado de faíscas sem cor.
Todos sentem, todos sabem,
mas fingem a normalidade,
eles enganam, eles mentem
dizem não conhecer a verdade.
Eles não querem, tentam fugir
mas ainda assim, eles vêem
Vêem o inocente cair
o carro explodir,
o poeta partir,
por meio indolor,
de um mundo no qual
não encontra valor.
Eles vêem, mas ignoram
a justiça insensata,
a raiva velada,
a criança largada
sem nem saber porque.
Porque não reagem
sabendo o que enxergam?
Eles enxergam sem ver sentido
no soldado ferido,
no larápio sorrindo
e no cachorro latindo
que insiste em avisar
o que todos conhecem
mas não reconhecem,
aumentando a sensação
de algo terrível,
algo inesperado e previsto,
apenas o estopim que antecede
o baque solitário e surdo
de nosso precioso mundo.
Mesmo assim, todos permanecem,
todos seguem, felizes e contentes
rumo à destruição
tendo o caos a sua frente
e nenhum amor no coração

S.P. 2005

Parceira ideal

Eu não acredito
em parceira ideal.
Acredito, sim
em uma pessoa normal

Uma pessoa normal
que, somente por me amar
iria salvar-me de
tão tempestuoso mar.

Mar de dor, tristeza,
ódio e solidão,
sentimentos para os
quais, não encontro solução.

Mar no qual a
muito tempo caí
e do que qual, as vezes
tenho medo de sair.

Pois se deste
mar eu sair
eu novamente
poderei me ferir.

Mas alguma coisa
dentro de mim
me diz que é
inútil desistir.

Pois será uma pessoa
normal, e não uma parceira ideal
que irá comigo procurar
a tão fugídia criatura chamada felicidade.

SP, Março de 2003